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ARTIGO
Exames reveladores
M
ãe e menino adentram o
consultório. Vieram de lon-
ge. Sobraçando envelo-
pões de exames, a senhora explica:
na escola, mostraram ao filho de
10 anos um filme sobre sangue. O
menino passou a “se sentir mal” e
acabou por desmaiar. Recuperou-se
a seguir. A mãe, naturalmente preo-
cupada, marcou consulta médica. O
profissional consultado, para “tirar
dúvidas”, resolveu pedir uma resso-
nância magnética do encéfalo e um
eletroencefalograma. Como ambos
se revelaram normais, o menino foi
encaminhado ao neurologista. As
dúvidas persistiam, portanto.
Há um aspecto pouco considerado
do ato, da prerrogativa médica,
de se pedir exames complemen-
tares. Ato médico puro, o proce-
dimento, aparentemente simples,
de pedir exames, implica em algu-
mas responsabilidades.
Supostamente, os exames solicitados
deverão revelar anomalias, doenças,
fraquezas do paciente; mas podem
revelar também “fraquezas” do so-
licitador! Dão pistas do quantum de
conhecimento médico detém.
Ou do quanto se deixa manipu-
lar pelo paciente que usa o médi-
co para que peça exames que ele,
paciente, acha que tem que fazer.
“Para tirar dúvidas”. Suas dúvidas!
Exames destinam-se a confirmar hi-
póteses clínicas ou tirar dúvidas do
médico e não do paciente.
As dúvidas do paciente cabem ao
médico esclarecer. Age mal o pacien-
te que dita linhas de investigação e
estará mal servido ao encontrar um
médico que lhe satisfaça as vontades.
“Não se deve ensinar o padre a re-
zar missa”, diz o adágio popular. O
paciente que não sentir firmeza no
médico que consulta, deve trocar
de médico e não ficar ditando o que
acha que tem que ser feito.
Como no exemplo acima, umprosaico
caso de síncope vaso vagal, ao solicitar
exames inadequados o profissional re-
vela o pouco que sabe e comete uma
imperícia. Inofensiva, mas imperícia.
Exames, além de implicarem em
custos diretos que recairão sobre al-
guém, sobre o paciente, sobre seu
plano de saúde ou sobre o erário pú-
blico, há um custo nada desprezível
em ansiedade, angústia, distress. Há
custos indiretos com deslocamen-
tos, às vezes de locais longínquos,
obrigando partidas na madrugada e
a se expor aos perigos das rodovias;
há custos em perda de horas de tra-
balho, falta à escola etc.
Quase no mesmo dia do caso do me-
nino acima, outro paciente pergun-
tou se gostaria de ver seus exames
(pacientes acham que médico adora
ler pilhas de exames antigos; trazem
em sacolas, geralmente em comple-
ta desorganização). Pois, entre uma
infinidade de exames laboratoriais,
chamava a atenção uma sequência de
três dosagens de TSH, todos normais,
solicitados repetidamente dentro de
poucos meses, pelo mesmo esculápio
(Nota: não estava tratando disfunção
tireoidiana alguma). Outro exemplo
claro de quem não sabe o que faz e
não considera os custos desta incon-
sequência. Se for no âmbito do serviço
público, é uma lástima como profis-
sional e como cidadão.
Os conhecimentos médicos se ex-
pandem num ritmo acelerado e
há muito que tal realidade exigiu a
compartimentação da prática médi-
ca em especialidades. Não se pode
esperar que um médico domine em
profundidade todas as áreas. Ao se
deparar com um caso que não lhe
seja claro, o mais apropriado, boni-
to e correto é encaminhar ao espe-
cialista correspondente.
Deve se abster de pedir exames, prin-
cipalmente sofisticados, na intenção
de querer adiantar o expediente.
Deve também se conter e não fazer
alusão a quais exames poderão ou
deverão ser pedidos pelo especialista.
“Ah, o doutor falou que seria bom
fazer uma tomografia”, pronto, a ex-
pectativa está criada.
Não é incomum que, durante uma
consulta, o paciente ou seus acom-
panhantes exponham problemas de
saúde, relativos a outras especialida-
des. Antes de emitir um parecer im-
próprio, desqualificado, o melhor a
se fazer é informar a qual especialida-
de tal caso é concernente.
Não há demérito algum em decla-
rar não estar apto para emitir um
parecer de valor sobre questões de
outra especialidade. Caso contrário,
se estará agindo como certas coma-
dres que adoram receitar remédios
e falar de exames, afetando conhe-
cimentos que não têm.
Dr. Cezar Zillig
Neurocirurgião e neurologista
Kakau Santos