Revista Ampla | Edição 46 | Unimed Paraná

Em função da proximidade do dia do médico, invocamos o canadense Denys Arcand que dirigiu o filme Invasões Bárbaras , para trazer uma reflexão sobre essa nossa profissão que atua frequentemente entre a vida mais sau- dável possível e a morte com o menor sofrimento desejável; o título, o filme que nos remete figurativamente à queda do Império Romano, que após de mais de quatro séculos de domínio foi abalado pelas invasões germânicas nos séculos IV e V, permite fazer uma correlação do fato histórico com o atual momento da profissão médica, bem como com o “am- biente saúde” nos tempos atuais. Quem são os “bárbaros” que invadem a área da saúde hoje? A imensa mudança nos meios de comunicação, a intensa mobilidade e a proliferação do conhecimento, de forma assustadoramente veloz, está prevendo para 2029 o ano em que as máquinas saberão tanto quanto o ser humano e até 2045 a solução para a morte. Enquan- to a epidemiologia e a vivência atuais nos demonstram maior longevidade populacional e mudança nas principais causas de morte, com predominância das mortes por câncer em relação às mortes por doenças vasculares em coração e cérebro, há cientistas apontando para a morte do câncer em 10 anos. Ray Kurzweil (1) , engenheiro, cien- tista e futurólogo com elevado nível de predições confirmadas, afirma que em 2029 as máquinas terão adquirido inteli- gência artificial e capacidade de articular o conhecimento semelhante à humana. Masayoshi Son (2) , CEO da Softbank , afir- ma que as máquinas super-inteligentes funcionarão em 2047, e para isso, a em- presa está investindo bilhões de dólares em fundos para desenvolvimento da ro- bótica baseada em inteligência artificial. Daí para solucionar a morte, só mais dois anos, segundo a Google. Transplantes de cabeça (ou de corpo como preferirem) já estão sendo realizados em ratos. Nano- robôs terão atuação no endereço exato, no núcleo das doenças que nos afligem. Para exemplificar, nanorobôs implantados na nossa corrente sanguínea poderão ar- mazenar tanto oxigênio que nos permitirá mergulhar, sem equipamentos adicionais, por 15 minutos consecutivos, sem emer- girmos para a superfície. Em que mundo estamos? Em que mundo estaremos daqui a pouco, em 2020, por exemplo? A tecnologia que não é barata hoje, será acessível, como muitos eletrôni- cos já o são, porque se popularizará e ganhará escala. As grandes produtoras de hardware como IBM, Philips, GE e outras migraram para o software , para o proces- samento do conhecimento. O “sonho de Laura”, robô criado por Jacson Fressatto (3) de Curitiba, elevou a contribuição da tecnologia cognitiva através de machi- ne learning para um nível de detecção precoce de sepsis até então quase que exclusivamente dependente da percep- ção e da atenção humana. O crescimento da população ger- mânica foi um fator que determinou as invasões bárbaras para dentro da geo- grafia do império romano. Esta invasão do conhecimento e do aprendizado de máquina está invadindo e invadirá a área de cuidados em saúde em menor tempo do que nossa percepção possa se dar em conta, se não estivermos atentos. Ao mesmo tempo em que representa uma enorme contribuição à nossa capa- cidade de decisão e escolhas, não elimina o humanismo da profissão ( vide pág. 18 ), a percepção da expressão do olhar e dos movimentos que tanto informam sobre os elementos para o diagnóstico. Teremos no ambiente médico brasi- leiro uma “superpopulação” de profis- sionais, cujo volume crescerá 50% em cerca de 10 anos. Dos atuais 400.000 (4) médicos passaremos rapidamente aos 600.000, velocidade de crescimento in- versamente proporcional ao crescimento da população geral, o que elevará a atual proporção de cerca de um médico para cada 500 pacientes, para algo em torno de um médico para cada 250 ou 300 pacientes. O trabalho em rede será vital e a cooperação uma necessidade cada vez mais premente. Precisão e velocidade serão objeto de avaliação por parte dos pacientes que procuram serviços de saúde, como em muitas outras áreas, que já fazem parte do nosso dia a dia, como nas comunicações, tráfego, comércio, agricultura, entre outras. Pequeno exemplo da área comercial e jurí- dica está no artigo: Robô faz em segundos o que demorava 360 mil horas para um advogado, publicado em https://conteudo. startse.com.br/mundo/lucas-bicudo/sof- tware-do-jpmorgan/, no qual informa-se: “O programa chamado COIN (Con- tract Intelligence), interpreta acordos de empréstimo comercial, atividade que normalmente consumia 360 mil horas de advogados por ano. O software revê os documentos em segundos, é menos propenso a erros e nunca pede férias.” Não haverá espaço para a não qua- lidade. Devemos combater já as falhas nos processos assistenciais que têm elevado tanto a frequência de complica- ções evitáveis. A prevenção quaternária que está presente hoje no trabalho dos melhores profissionais, será condição obrigatória para o exercício da profissão e se estenderá a toda a rede de assis- tência, especialmente no que tange ao sobrediagnóstico, como nos alerta Richard Hurley , em editorial do BMJ de agosto próximo, sob o título: Defenders against overdiagnosis . Nossa capacidade de avaliação e am- pliação de conhecimento estará direta- mente relacionada à nossa capacidade de obter o conhecimento em fontes que nos indiquem a melhor e mais rápida medida. Por isso, é fundamental que nos adapte- mos rapidamente a este novo mercado emergente do conhecimento, embarcado ou não em nanotecnologia. MARLUS VOLNEY DE MORAIS GERENTE DE ESTRATÉGIAS E REGULAÇÃO DA SAÚDE 34 | AMPLA • JUL/AGO/SET 2017 | ARTIGO • OPINIÃO INVASÕES MÉDICAS (1) Raymond Kurzweil é um inventor e futurista dos Estados Unidos. Pioneiro nos campos de reconhecimento ótico de caracteres, síntese de voz, reconhecimento de fala e teclados eletrônicos. Wikipédia (3) www.sonhodelaura.com.br/ (4) DemografiaMédica, CFM2015. (5) Prevenção quaternária: detecção de indivíduos em risco de tratamento excessivo para protegê-los de novas intervenções médicas inapropriadas e sugerir-lhes alternativas eticamente aceitáveis. (Jamoulle, 1999).

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