Page 25 - Revista Pensar - nº 4

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PENSAR- O senhor aponta para um futuro superpo-
pulado, repleto de problemas também ampliados.
Seria melhor imaginarmos uma espécie de volta ao
passado?
TABARÉ -
O que conseguimos no mundo em melhores
condições de vida para esses cidadãos? O crescimento e
a urbanização da população mundial expressam uma mu-
dança civilizacional complexa e incerta que não devia sur-
preender. Não é verdade que todo o tempo passado foi
melhor. A imobilidade, o ficar preso ao passado também
são patologias, porque o mundo avança e temos que nos
adaptar. Vivemos em tempo fronteiriço que não é fácil de
nomear, e na tentativa de dar esses nomes caímos em am-
biguidades como "globalização" ou "pós-modernidade"
para nos referirmos a mudanças que não conseguimos
dimensionar. Um mundo que não governamos, um plane-
ta que se parece a um hospital psiquiátrico administrado
pelos seus pacientes .
P. - Esta é uma
metáfora sobre a
nossa
realidade
bastante desani-
madora ....
TABARÉ - É inútil
ignorar essa realida-
de ou brigar com ela,
é preciso assumi-la
e transformá-la en-
tre todos, porque as
utopias épicas e os
relatos heroicos pas-
saram de moda. A
realidade nunca será perfeita, mas sempre será perfec-
tível, e vale a pena fazer o esforço porque a vida vale a
pena. Já que estamos em ambiente vinculado à saúde,
podemos nos perguntar como podemos melhorar essa
realidade e não ficar só no diagnóstico. O mundo médico
pode aportar à sociedade, em primeiro lugar, sua condi-
ção cidadã que está acima da condição médica, condição
fundamental para o funcionamento democrático. Embo-
ra alguns colegas custem a admitir, temos a mesma res-
ponsabilidade que advogados, professores, construtores,
estudantes, pacientes. O mundo médico ambém pode
contribuir com uma visão da saúde que transcenda larga-
mente a doença ou o tratamento da mesma, saúde como
algo maior que a prevenção e a cura.
P.- Em sua palestra o senhor comparou a cidade a
um ser vivo. Assim, presume-se que ela padece,
como seus cidadãos, das doenças e males contem-
porâneos?
TABARÉ-
A cidade está ligada às condições de seus habi-
Pensar Unimed | Agosto de 2012 - 25
tantes, vinculada à universalidade e à eficiência da prestação
de serviços. A saúde desse ser vivo que é a cidade estaria vin-
culada à liberdade como impulso humano, à democracia, à ci-
dadania, à justiça e ao exercício pleno de todos os direitos hu-
manos como ética da democracia. Estaria ligada também ao
trabalho digno, à convivência pacífica, à segurança, ao ócio,
à realização pessoal e coletiva. A insegurança e a desprote-
ção como as grandes características da vida contemporânea,
e disse que elas deviam figurar no quadro epidemiológico
da sociedade atual como patologias de nossas sociedades.
A sensação de desproteção não vem sozinha, ela vem com
uma sociedade que esteriliza o espaço público, com consumo
exacerbado e o individualismo que se expressa pela obsessão
pela aparência e, na saúde, pelo abuso de medicamentos e
cuidados médicos. As neuroses típicas do século 19, como
histerias, fobias, obsessões, foram substituídas pelos trans-
tornos de caráter, sentimento de absurdidade da vida, vazio.
Entre essas mudan-
ças de época, vale
citar que os líderes
do maio francês
de 1968 estão hoje
seguindo
diversas
filosofias, teriam tro-
cado Marx e Lênin
pelo guru, as lutas
pela ioga. Onde ficou
o homem novo e o
socialismo? Quan-
to de real há nes-
sas doenças sociais,
como tratá-las? São
preveníveis? Há que
enfrentá-las. Ninguém patenteou essas respostas, mas deve-
mos recuperar valores, princípios, estratégias e políticas.
P. - Como devemos crescer e nos desenvolver em um
mundo com tantas contradições?
TABARÉ - A única alternativa de desenvolvimento é se
for sustentável. Sonhar não custa, mas os sonhos impos-
síveis custam caro, em termos de autoestima e de gover-
nabilidade democrática. Como estamos vivendo tempos
de desenvolvimento da política, não podemos nos sub-
meter a pensar em termos exclusivamente econômicos.
A política, a filosofia, a cultura devem primar para melho-
rar as condições de vida. A riqueza deve estar mais bem
distribuída com a ajuda de políticas públicas sociais, não
paternalistas, com a segurança social, com as políticas
tributárias, para que quem tem mais pague mais e quem
vive na pobreza extrema receba o benefício do Estado.
Para mim , dois componentes imprescindíveis para atin-
gir o desenvolvimento sustentável são saúde e educação,
além da boa administração.