Revista AMPLA 48

| sustentabilidade 24 | AMPLA • JAN/FEV/MAR 2018 Desde que a maioria dos sistemas de atenção à saúde públicos são financiados por impostos, o resultado será um aumento explíci- to dos impostos ou da cota da tributação total que é usada para financiar o sistema de atenção à saúde. O aumento poderia ser repassado adiante por meio de encargos diretos para os usuários do sistema. Da mesma forma, um aumento grande da oferta de médicos no mercado (aumento de Z) pode levar a uma necessidade de aumentar as receitas, via incremento dos impostos, ou com- pensar os maiores gastos com a diminuição do salário médio dos médicos (diminuição de W). Milton Roemer, estudando as taxas de ocu- pação de hospitais, nos anos 50 e 60, verificou que essas taxas eram semelhantes em regiões com distintas relações entre leitos e habitan- tes. Observou que sempre os leitos ofertados tendiam a ser utilizados e que isso expressava um caso particular da indução da demanda pela oferta, característica econômica dos sistemas de atenção à saúde. Com base em suas verificações empíricas, formulou a Lei de Roemer que diz que ”se há leitos hospitalares disponíveis, eles tendem a ser usados, independentemente das necessida- des da população” (ROEMER, 1993). Partindo de uma perspectiva estrutural, a Lei de Roemer significa que a capacidade instalada determina o uso. Essa inferência é plausível porque a ênfase em atender às necessidades é ilimitada em relação ao uso total, enquanto que a escolha informada é remota na realidade dos sistemas de atenção à saúde. O julgamento profissional pode muito bem ditar – ou pelo menos influenciar fortemente – os tipos parti- culares de atenção à saúde que são oferecidos às pessoas. E os encargos para as pessoas usuá- rias claramente influenciam a disponibilidade dessas pessoas ou sua capacidade de contatar os prestadores de serviços e de cumprir suas recomendações. Entretanto, no nível agregado, essas influências são esmagadas pelos efeitos da capacidade instalada. Além da Lei de Roemer, manifestam-se, nos sistemas de atenção à saúde, outros casos particulares de indução da demanda pela oferta. Evans (1996) mostra que, em diferentes sistemas, o uso de serviços médicos expandiu com aumento na oferta de médicos, de for- ma suficiente para mantê-los lucrativamente empregados. Bunker et al. (1982) demonstram que o número de cirurgias realizadas em um sistema de atenção à saúde varia na razão direta do número de cirurgiões. A medicina não é uma ciência dura; por isso, os serviços de saúde são providos com algum grau de incerteza. Essas incertezas levam a diferenças significativas nos julgamentos de como intervir na atenção à saúde o que, por sua vez, gera uma grande variabilidade dos procedi- mentos médicos. Há variabilidade que decorre da atenção centrada na pessoa e na família. Mas, certa- mente, nos serviços de saúde, há uma predo- minância de variabilidade que reflete os limites do conhecimento profissional e falhas em sua aplicação. Essa variabilidade faz com que sejam prestados serviços a pessoas que não os ne- cessitam, aumentando os custos do sistema de saúde (MULLEY, 2010). Estudos demonstram que essas variações – que não se explicam nem pela melhor evidência científica, nem pelas necessidades da popu- lação – estabelecem-se pelos diferenciais de prevalência das doenças, pela disponibilidade dos serviços, pelas preferências culturais por certos tipos de serviços de saúde, pela ideologia de uma certa escola médica e pelos padrões estrutural e financeiro dos incentivos presentes nos sistemas de remuneração à saúde. USO APROPRIADO E INAPROPRIADO Chan et al. 2011 avaliaram 500.154 angio- plastias coronarianas percutâneas do registro Nacional Cardiovascular dos Estados Unidos e classificaram, segundo as diretrizes clínicas, em uso apropriado, incerto e inapropriado. Destas, 71,1% (355.417) foram realizadas para síndromes coronarianas agudas (infarto do miocárdio e angina instável de alto risco) sendo consideradas apropriadas em 98,6%. No con- texto de angioplastias eletivas para pacientes com angina estável, foram realizadas 144.737 angioplastias, sendo consideradas apropriadas 72.911 (50,4%), incertas 54.988 (38%) e inapro- priadas em 16.838 (11,6%), situação em que o procedimento não traria benefício à saúde ou à sobrevida do paciente. Na prática dos sistemas de atenção à saúde, pode-se observar fortes variações na prestação de serviços de saúde. As variações interpaí- ses são mostradas nas taxas padronizadas de cirurgias, sendo duas vezes maior nos Estados Unidos que no Reino Unido; e a razão de proce- dimentos selecionados entre Estados Unidos e Canadá varia de 8,0/1 para a ressonância magnética, 7,4/1 para a radioterapia, e 2,7/1 para a cirurgia cardíaca (BATTISTA et al., 1994). A variação nos procedimentos médicos repercute nas tecnologias médicas. Um estudo comparativo do uso de tecnologias médicas selecionadas no Canadá, Alemanha e Estados Unidos mostrou grandes variações entre esses três países em unidade de tecnologia por 1 milhão de pessoas. Para cirurgia cardíaca aberta: Canadá, 1,3 por milhão; Alemanha, 0,8 por milhão; e Estados Unidos, 3,7 por milhão. Para radioterapia: Canadá, 4,8 por milhão; Alema-

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