Revista Ampla 66

JUL / AGO / SET 2022 AMPLA 27 ENTREVISTA Reconhecida a taxatividade, é indispensável que a ANS promova revisões sistemáticas na relação de cobertura. Isso não decorre exclusivamente da inovação tecnológica, mas da evolução do conhecimento científico sobre evidências, revisões nas avaliações de tecnologias, retiradas de medicamentos do mercado, novas revisões sistemáticas e metanálises. A dinâmica da ciência, especialmente médica e farmacêutica, a descoberta de novos insumos e técnicas, novos medicamentos, novos equipamentos, tudo está a exigir frequentes atualizações. E, nesse ponto, a Lei nº 14.307, de 03 de março de 2022, trouxe importante regramento sobre o processo de atualização de cobertura no âmbito da saúde suplementar, inclusive instituindo comissão específica para exame de evidências científicas, avaliação do custo-efetividade das novas tecnologias e a análise do impacto financeiro no caso de ampliação da cobertura. Também no projeto de lei antes referido, se aprovado no Senado Federal e promulgado, criará critérios para a revisão do rol. Revista Ampla - Como o senhor avalia os impactos para as prestadoras e os beneficiários? João Pedro Gebran Neto - Considerando o que pontuei anteriormente, entendo que a decisão do STJ sobre a taxatividade do rol confere maior segurança jurídica ao sistema de saúde, inclusive e especialmente à saúde suplementar. É certo que a solução do STJ prevê cláusulas de aberturas, possibilitando a imposição de obrigações “extra rol” quando presentes condições especificadas na decisão. Isso poderá acarretar novas discussões administrativas e judiciais, mas certamente o número de lides será muito menor do que atualmente. Às prestadoras haverá maior previsibilidade sobre aquilo que devem fornecer. Do ponto de vista dos consumidores, certamente ficarão mais atentos quanto às coberturas adicionais que pretendem que seus contratos contemplem. Revista Ampla - Como caminham as modulações do STJ para esses casos e as exceções da aplicação do rol taxativo? João Pedro Gebran Neto - Embora o STJ, no último dia 08 de junho do corrente ano, tenha apreciado a questão por sua Segunda Seção, os votos dos ministros ainda não foram publicados até a presente data. Todavia, o resultado da sessão foi proclamado, quando se declarou que o rol é taxativo, com a abertura da seguinte cláusula de exceção: “não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos do Rol da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que: i. não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao Rol da Saúde Suplementar; ii. haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; iii.haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como CONITEC e NATJUS) e estrangeiros; iv. seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS.” Embora o STJ tenha julgado a questão, ainda não há solução definitiva, e o julgamento ainda não está concluído, bem como o Supremo Tribunal Federal foi chamado a debater a questão. Há, ainda, no STF, processos sobre o tema previstos para os dias 26 e 27 de setembro. No Congresso Nacional a via legislativa aborda a questão, o que demonstra que a solução definitiva ainda pode demorar. Revista Ampla - Quais foram as principais motivações para a ocorrência dessa determinação? João Pedro Gebran Neto - A ausência da publicação dos votos não permite que conclusões seguras sejam firmadas sobre os fundamentos para a solução final, mas imagino que seja possível pontuar: a. a existência até então de posições divergentes entre as duas Turmas do STJ, ambas por unanimidade, impôs que uma solução intermediária viesse a ser proposta, de modo que a maioria se formasse em favor de uma das proposições. Por isso, a fixação de uma das teses, com cláusula de abertura, pode ter sido a solução possível. No ponto, parece-me que a medida provisória que reviu o procedimento de revisão do rol, convertida na Lei nº 14.307/2002, foi um gatilho positivo para a adoção de uma tese; b. ainda, o precedente do STF no Tema 500 com Repercussão Geral (firmado no RE 657718) sobre a concessão judicial de medicamentos sem registro na ANVISA certamente colaborou na construção da solução do STJ, onde igualmente foi criada uma cláusula de exceção para regra geral de não fornecimento de medicamentos não registrados na agência. Embora os votos não estejam publicados, esses dois fatores devem ter contribuído para a determinação final, com uma solução firmada na taxatividade, mas com abertura para situações excepcionais. Soluções não definitivas e com delimitações imprecisas certamente não encerram os debates, o que pode ser criticável. Entretanto, soluções firmadas em regras do tudo ou nada, emquestões complexas como o direito à saúde, também podem ensejar críticas, estaremsujeitas a revisões e, por vezes, serem injustas. Obs.: Esta entrevista com o desembargador João Gebran Neto foi realizada em início de agosto. No fechamento desta edição da Revista Ampla, em início de setembro, outros desdobramentos já haviamocorrido, entre eles a publicação da decisão do STJ, no dia 03/08/2022, a aprovação pela Câmara dos Deputados do Projeto de Lei nº 2033/2022, também em 03/08/2022 – o qual foi incluído na matéria - e a apreciação/aprovação do referidoProjetode Lei peloSenado, que acabou ocorrendo nodia 29de agosto. Aguardava-se apenas a sanção ou o veto presidencial.

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