Revista Ampla 66

JUL / AGO / SET 2022 AMPLA 29 TENDÊNCIA De outro lado, os desafios Do ponto de vista técnico, a implementação do Open Health traz consigo a questão da interoperabilidade. Ou seja, da integração de sistemas públicos e privados de forma segura e estável, levando em consideração soluções para os riscos estruturais envolvidos (como eventuais falhas sistêmicas, no fornecimento de energia, telefonia ou de internet). “Outro desafio refere-se a questões organizacionais, tais como a padronização quanto aos acessos, com delimitação quanto aos níveis de acesso à informação de acordo com a necessidade e pertinência deles e a sua rastreabilidade”, alerta Caroline Cavet. No entanto, para a advogada, o aspecto mais importante a ser observado é a responsabilidade quanto ao uso de dados do cidadão. “O desafio mais delicado, em um sistema em rede, refere-se ao dever de privacidade e confidencialidade de dados pessoais sensíveis de saúde e genéticos, resguardados pela prática médica, conforme preconiza o Código de Ética Médica”, destaca. Em seu 11° artigo, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) veda o tratamento desses dados, com exceção de casos com consentimento específico do paciente ou para execução de políticas públicas pelo Estado. Em linhas gerais, o objetivo da vedação é evitar formas de controle político, social e econômico que possam levar a casos de discriminação e exclusão de pessoas. Exemplos ao redor do mundo Ao redor do mundo, já existem sistemas baseados no conceito do Open Health. Tanto no âmbito público quanto no privado. Cada uma com suas particularidades. Pode-se começar falando do Google Dataset Search, lançado em 2018 pelo Google, disponível a um clique. Uma ferramenta gratuita que permite que os próprios usuários alimentem bases de dados sobre temas diversos e criem grupos de informações públicas ou com acesso pago. Já no ambiente acadêmico, há o exemplo do StanfordMedicine, com aplicação relevante emtermos de pesquisa na área da saúde. “Em ambos os casos, o compartilhamento de dados é anonimizado e seu uso é secundário, ou seja, não está vinculado ao atendimento de um paciente”, explica a advogada Caroline Amadori Cavet. No Reino Unido, desde 2014, órgãos de saúde compilam os registros de pacientes no Spine, espécie de banco nacional de dados. A plataforma gera relatórios clínicos (Summary Care Records) que podem ser acessados por unidades clínicas e pelo próprio usuário. Na Austrália, há a experiência concreta do My Health Record (MHR), sistema implementado desde 2016, que hoje engloba informações de mais de 22 milhões de pessoas. Ele contém informações clínicas resumidas dos cidadãos australianos, com exceção daqueles que optaram por não integrar o sistema. “O MHR pode ser acessado por toda a cadeia de saúde, exceto as seguradoras, para uso secundário, o que acarreta a melhora no atendimento clínico, as pesquisas e estudos randomizados; e o planejamento dos ciclos de desenvolvimento tecnológico”, descreve Cavet. Também já se tem conhecimento de mais aplicações inspiradas pelo conceito de Open Health nos Estados Unidos, no Canadá e no México. O desafio mais delicado, em um sistema em rede, refere-se ao dever de privacidade e confidencialidade de dados pessoais sensíveis A quantas anda no Brasil… No cenário brasileiro, o que já existe é a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), instituída pela Portaria GM/ MS 1.434/20, para auxiliar na comunicação entre os pontos da Rede de Atenção à Saúde do SUS. No entanto, ela ainda está em desenvolvimento. A expectativa do Ministério da Saúde é finalizar a implementação até 2028, como uma rede que conectará atores e dados de saúde em todo o país. O Projeto de Lei nº 3.814/20 – que dispõe sobre a digitalização e a utilização de sistemas informatizados para a guarda, o armazenamento e o manuseio de prontuário de pacientes – é mais uma iniciativa que está em trâmite e pode contribuir na direção da integração. Embora alerteparaosdesafios, CarolineCavet acredita que a transformação digital da saúde é uma realidade que já permeia a sociedade brasileira. “Os avanços tecnológicos atrelados à prática médica despontam como promessa de promoção da saúde universal e social, com campo fértil para o seu desenvolvimento no Brasil e no mundo, com a finalidade de otimização de recursos e a maior assertividade e agilidade no atendimento ao paciente”, observa. No que se refere especificamente ao Open Health, é preciso aguardar as cenas dos próximos capítulos. Surgiu como uma proposta de Medida Provisória, mas isso pode mudar e se tornar uma lei específica. Sem dúvida, poucas páginas não dão conta de esgotar a discussão sobre essa novidade complexa e instigante. Mas nos deixam mais preparados para acompanhar o debate e as notícias sobre o que está por vir.

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