Revista Ampla 67

OUT / NOV / DEZ 2022 AMPLA 29 ENTREVISTA Revista Ampla – Quais são as principais características de uma crise e como poderia ser definida? João José Forni - A característica da crise, primeiro, aponta para um fato grave que toma grandes proporções e pode envolver danos a pessoas ou patrimônio, prejuízos vultosos à organização e, quase sempre, ampla divulgação. Essa situação grave se caracteriza como uma ameaça ao core business da organização ou ao profissional envolvido, entendendo que o core business é a ‘razão de ser’ do negócio, no caso da saúde, por exemplo, uma crise envolve não entregar aos pacientes de forma competente a cura e o bem-estar em si, bem como o zelo pela vida. Não esquecer que a vida é o bem mais precioso e que a área de saúde, não importa se pública ou privada, cuida desse bem, na acepção mais completa dessa palavra. Então, é preciso compreender que a crise, no conceito de crise corporativa, é um acontecimento grave. Às vezes, pode estar ocorrendo um problema sério na empresa, que ainda não é uma crise, porque existem meios de solucionar a situação de forma rápida e sem maiores consequências para o negócio. Porém, quando afeta a competência do negócio ou do profissional, quando a organização frustra a expectativa do stakeholder, provavelmente ela está no meio de uma crise, com grande risco de afetar o bem-estar das pessoas, inclusive, de acarretar prejuízos financeiros e, principalmente, à reputação da organização. Revista Ampla – Existe uma máxima nessa temática que diz: “dê à sua crise o tamanho que ela deve ter”. Por que esse aspecto é importante? João José Forni - Isso porque, muitas vezes, existe uma dificuldade por parte dos gestores em delimitar a própria crise. Assim, acaba ocorrendo a maximização do fato, que pode ser de menor proporção e não mereceria a mobilização de muitas pessoas, nem o interesse da mídia ou das redes sociais. De outro lado, nunca é recomendável minimizar um fato negativo que possa se transformar numa crise. Ainda que a acusação seja falsa ou injusta ou o acontecimento tenha sido exagerado pela mídia, é preciso se defender e, para isso, existem instrumentos de resposta, ações proativas, com o eventual apoio de uma equipe, o chamado “time de crise”. Ou comitê de crise. Revista Ampla – Como o senhor avalia que a crise se relaciona com o setor de saúde? João José Forni - O hospital e o consultório médico são ambientes que têm muita ameaça de crise e como é possível driblar isso? Através de uma boa gestão de risco que pode ser feita a partir do mapeamento de vulnerabilidades. Por exemplo, em um hospital, no laboratório, na clínica, no próprio consultório, as seguranças física e técnica são pontos muito vulneráveis. Ao ser questionado por que, respondo: pode ter uma criança, um recém-nascido sequestrado, como já ocorreu tantas vezes; pode ter situações de assédios moral e sexual, por parte de profissionais do hospital ou da clínica; pode ter subtração de medicamentos controlados, troca de medicamentos, muitas vezes fatais, erros humanos, entre inúmeras outros eventos negativos, que um bom mapa de risco pode discriminar. Existem estatísticas que apontam que no setor de saúde norte-americano, por exemplo, um terço das mortes que ocorrem em hospitais são decorrentes de erros médicos. Se um hospital vende ‘saúde’ é evidente que essa é uma crise existente porque ameaça a vida das pessoas e bate de frente com o core business da instituição, com o negócio para o qual essa empresa de saúde foi criada. No Brasil, calcula-se que ocorrem mais de 200 incêndios em hospitais durante um ano. Não é pouca coisa. Significa que temos uma crise potencial nesses estabelecimentos, que precisa ser, primeiro monitorada 24 horas por dia, com equipes treinadas e equipamentos atualizados, porque ameaça a vida das pessoas e, no limite, o futuro do próprio negócio. Revista Ampla – Nesse sentido, o que a pandemia tem a nos ensinar? João José Forni - A pandemia é um fato que surpreendeu todo mundo. Participei de muitos debates, a maioria on-line, nesses dois anos, nos quais pontuei minha decepção com a ciência, pois, a rigor, não houve qualquer previsão de que o mundo estivesse sequer na iminência de ter uma endemia ou pandemia mortal. Para se ter uma ideia, em janeiro de 2020, o Fórum Econômico Mundial, que anualmente mapeia os riscos globais para os negócios, não contemplou uma pandemia como uma séria ameaça. O relatório citou a crise do clima, ciberataques, questões de ordem econômica, endemias, como Ebola, entre outros, porém a Covid-19 não estava entre as ameaças à saúde da população num nível global, como aconteceu. Então, o mundo inteiro foi surpreendido com a chegada da pandemia que alterou absolutamente tudo. E quem se deu bem nessa crise? Bem, desconheço, afinal todos os países sofreram, além de serem três crises imbricadas: econômica, política e sanitária. Além de um baque na economia, a pandemia desgastou governantes, muitos perderameleições. E a comunicação foi a âncora nesse cenário. Foi a comunicação que conseguiu manter a população minimamente informada sobre a gravidade, as consequências e sobre o comportamento que deveria ser adotado durante o surto, pois não tem como você administrar uma crise dessa dimensão, sem uma boa comunicação. Nesse ponto, houve uma falha grave por parte do governo brasileiro e de outros poucos países, que, ao não se posicionar, ou tentando minimizar o impacto sanitário e social da Covid-19, afetou diretamente os serviços e os profissionais de saúde, que lutavam como se estivessem nadando contra a corrente. Hoje, após o período muito duro de aprendizagem e experiência, o Brasil já vivencia outra realidade, porém, conforme citei, as crises são latentes para o setor da saúde e a pandemia mostrou as fragilidades que precisaram ser corrigidas no decorrer do surto, por isso, com toda a dramaticidade, o pioneirismo e heroísmo que vivenciamos, principalmente nos profissionais de saúde.

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