Revista Ampla 67

34 AMPLA OUT / NOV / DEZ 2022 PREVENIR CAMINHAMOS RUMO AO ISOLAMENTO? Os impactos, desafios e aprendizados que a solidão promove na vida das pessoas a partir de contextos, individualidades e interações sociais diversas GIÓRGIA GSCHWENDTNER Endereço: Planeta Terra. Essa seria a melhor forma de descrever o destinatário da Camila Boga, após incontáveis transições de cidade e país. A violência motivou a primeira mudança ainda na infância, quando deixou São Paulo (SP) para viver com a família em Curitiba (PR). Essa foi uma das primeiras quebras, pois, naquele momento, era forte a conexão com os primos e a família paulista. Aos poucos esse distanciamento geográfico acabou por criar um abismo entre os parentes e, hoje, as conexões se tornaram raras. O núcleo familiar foi reduzido. Depois de formada, Camila ficounoeixoentre a capital paranaense e paulista até mudar para Campinas (SP). Voltou para São Paulo, logo foi parar em Blumenau (SC) e alguns meses antes de mudar para Europa, retornou a Curitiba. Em solo europeu, com a filha recém-nascida, começou morando na Holanda, onde permaneceu por quase três anos. Logo no início da pandemia ela, omarido e a filha foram para Munique, na Alemanha, vivendo lá por quase um ano. E agora, no final da segunda gestação, Camila está em Berlim, capital alemã. A experiência acabou por facilitar os deslocamentos, o recomeço se tornou uma constante e, conjuntamente, commarido e filha, foi abrindo espaço para reestabelecer os lares em territórios diversos. As bagagens e a burocracia acabaram por se tornar uma questão comum, porém, ao partir para cada novo destino, um sentimento nunca deixou de estar presente: a solidão. “Todas essas mudanças e a maioria foi por escolha própria, seja por motivos pessoais ou profissionais, foram minando minha rede de apoio e conexões de amizade. Além disso, sabotaram as relações familiares por conta da distância e do fuso. Manter um relacionamento exige sempre disponibilidade e essamovimentação foi gerando um isolamento”, compartilha Camila. Apesar de não estar sozinha e isolada, mantendo sua atuação como diretora de Design & Insights na Flutter Innovation, e dividindo a vida com o marido e a filha, existem outros aspectos, como o expatriamento e a maternidade que geraram outro tipo de solidão ocasionado pela falta de referência e conexão em uma fase importante da vida. “Tive minha primeira filha no Brasil e em três meses nos mudamos para a Holanda. Então eu tive um puerpério muito agitado e cheio de mudanças. Mal tinha me recuperado da cesárea e já comecei a organizar a amamentação e os cuidados com a bebê. Quando vi, estávamosmudando. Apesar do apoio comas burocracias, pois meu marido estava sendo transferido por uma empresa, foi uma corrida para conseguir passaporte e vistos, bem como saber o lugar que iríamos morar e, no meio disso, ainda estava trabalhando”, conta a designer. Como as mudanças faziam parte da sua vida e o isolamento da família já era uma realidade, Camila relata que o puerpério acabou não sendo tão intenso quanto descrito por outras mulheres que ela acompanhava. A solidão, emcerta forma, estavaali presenteemsua jornada, porém a soma de todas essas mudanças começou após seis meses, quando a adaptação deixou de ser novidade, a vida doméstica e o contato quase exclusivo com a bebê eram a única realidade e o distanciamento de pessoas adultas começou a pesar. “Em seis meses, eu mudei de uma profissional liberal superativa para uma situação focada na vida doméstica e no trabalho remoto com contato quase exclusivo por e-mail e conferências. Em uma situação de privilégios, conseguir entender o turbilhão de emoções. Depois de um tempo entendi e conheci muitas mulheres na mesma situação. Então minha reconexão acabou sendo com outras mulheres igualmente expatriadas que também tiveram filhos e filhas ou que mudaram com crianças. Amizades improváveis por outras afinidades, porém unidas pela condição”, observa Camila, ressaltando que Diante de um mundo hiper conectado, ainda assim esse é o período em que as pessoas mais sentem solidão. Esse sentimento é um desafio geracional e que faz parte da atualidade. Porém, é necessário aprender a lidar e encarar os momentos como uma oportunidade de autoconhecimento e desenvolvimento. O QUE VOCÊVAI LER

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