Revista Ampla 67

OUT / NOV / DEZ 2022 AMPLA 35 PREVENIR nem todas as escolhas e os aprendizados anteriores evitaram o sentir-se solitária. Dessa solidão, sem endereço fixo ou distinção geográfica, as histórias vão se entrelaçando e a tônica, ainda que em realidades diferentes, alimenta-se de narrativas semelhantes. Da mesma metrópole deixada por Camila na infância, a pesquisadora Juliana Silva aprofunda a reflexão entendendo que a solidão é comum e recorrente em um mundo individualista, e pode ocorrer em diversos momentos da vida. “Ela (solidão) entrou forte em minha vida quando me entendi na categoria de mãe solo. Não que necessariamente significa se sentir só, mas, muitas vezes, significa isso, sim. Aqui entra o peso da responsabilidade pela vida e educação de uma criança e o entendimento de como a sociedade relega todos os cuidados à mãe, o tempo todo”, relata. Para Juliana, durante a pandemia esse sentimento se intensificou com o afastamento das redes de apoio, o medo da contaminação, a responsabilidade ainda maior de cuidar da criança sozinha, sem a escola e os ambientes coletivos de convivência. Em sua trajetória, percebe existir uma dificuldade geral e real em lidar com a solidão, que espreme as pessoas em relações não contemplativas, sejam afetivosexual, familiares ou amizades. “Eu tenho aprendido a diferença entre caber emlugares e pertencer. Acredito que este pertencimento é o que abraça realmente o coração para espantar a solidão. Se não rola a possibilidade de ser livre, de pertencer ao lugar, ao grupo, se identificar com as pessoas, vai sempre gerar essa sensação de exílio, mesmo com pessoas por perto”, divide Juliana. Um sentimento inevitável e diversos contextos A escritora Clarice Lispector em uma entrevista concedida em 1977 para o jornalista Júlio Lerner, na TV Cultura, disse que o adulto é triste e solitário, e que isso pode acontecer em qualquer momento da vida, basta um choque um pouco inesperado. De acordo com a área da Psicologia, a solidão é um sentimento, uma emoção, que atravessa a existência desde o nascimento. Enquanto bebê, o ser humano se sente desamparado em decorrência da condição e desconhecimento do próprio corpo, e assim necessita de apoio externo. “A solidão, enquanto experiência fisiológica, é estrutural, podendo, no decorrer da vida, ser subjetivada e receber diversos significados e significantes, dependendo da estrutura de personalidade, ambiente e experiências individuais”, complementa o psicólogo Ocimar Olivetti. Passada a etapa de formação, o contexto e as estruturas sociais têm grande influência a respeito da solidão. Conforme observa Olivetti, os impactos dos ambientes e coletivos interferemnas pessoas se sentirem solitárias, principalmente, realidades de vulnerabilidade social como situação de desvantagens social, cultural, política, étnica, física, religiosa ou econômica. Obras de autoras negras, como Grada Kilomba e Bell Hooks, evidenciam, por exemplo, como o racismo, principalmente contra a mulher negra, é um fator de isolamento social. No livro ‘Memórias da plantação: episódios do racismo cotidiano’, Grada, que é psicóloga, apresenta sua tese de doutorado, mostrando os impactos psicológicos provocados pelo racismo às mulheres negras, promovendo ainda reflexões sobre colonialismo, gênero, bem como o conhecimento e a linguagem enquanto um campo de disputas sociais. “Pensar emmalefícios para a saúde física e emocional a partir da experiência de solidão é mergulhar na individualidade do sujeito, pois cada um experiencia o processo de solidão ou solitude individualmente. A depender de múltiplos fatores, a experiência pode ser mais ou menos dolorosa. De maneira genérica, podese dizer que a permanência num ambiente subjetivo de solidão, a pessoa pode sofrer com sintomas depressivos e de melancolia”, destaca o psicólogo. Camila já experimentou diversas sensações em relação à solidão e com o tempo vai aprendendo a gerenciar esse sentimento e buscar redes de apoio de outras formas A solidão é o preço muitas vezes pago pelas escolhas realizadas, comenta Juliana

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