Revista Ampla 67

36 AMPLA OUT / NOV / DEZ 2022 PREVENIR O século da solidão Em 2017, a solidão foi considerada uma epidemia mundial entre adultos mais velhos. Pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) fizeram a estimativa da prevalência da solidão em adultos com 50 anos ou mais e foram surpreendidos com a solidão, diminuindo de 32,8% no períodopré-pandemia para 23,9%noperíododa pandemia. Entre as explicações está o fato de o distanciamento social manter as pessoas em casa, até devido ao trabalho remoto, acentuando a convivência, além de ampliar a manutenção do contato entre as famílias via aplicativos. Embora nada substitua o presencial e a troca de olhares, essas medidas contribuíram para a preservação da saúde mental desse grupo. Importante destacar, ainda, que, proporcionalmente, os entrevistados que se sentiam sozinhos ‘sempre’ antes da pandemia seguiram durante esse período, ou seja, a melhora na solidão foi compreendida como “mais leve”. Nesse mesmo período, uma pesquisa realizada pelo Instituto Ipsos posicionou o Brasil em 1º lugar no ranking global de pessoas que mais sofreram com a solidão na pandemia. O estudo analisou 28 países, e 50% dos brasileiros entrevistados declararam se sentirem sozinhos. De acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2019, no país, 11,7 milhões de pessoas moram sozinhas. Alguns países, como Reino Unido, Austrália e Dinamarca criaram políticas públicas para lidar com essa questão do isolamento durante a Covid-19 e minimizar os danos à saúde física de suas populações. Afinal, no meio de tanta conexão, como e por que crescem os solitários e solitárias? A avalanche de informações, as redes sociais, e a infinidade de possibilidades para conexão não parecem atenuar a necessidadedo contato. Emoutro lado, essas ferramentas permitem criar uma versão que não é sempre crível ao que anteriormente era conhecido como “vida real”. “Quase não conseguimos mais definir onde acaba a vida virtual e começa a real, mas as diferenças existem, e precisam ser observadas. O desejo de sustentar uma identidade perfeita, feliz e conectada o tempo todo (online) tem gerado nações de insatisfeitos e depressivos, buscando incessantemente por um gozo que não se inscreve no real. Somos imperfeitos, solitários e faltantes, e quanto antes aceitarmos essa estrutura, mais cedo poderemos dar conta da experiência humana na terra. A ilusão da felicidade estática, da completude ou das promessas de realização total são produtos plásticos e não cabem numa vida humana saudável”, explica Olivetti. A doutora em engenharia de materiais, Marina Vasco, partilha que, em sua experiência durante os seus estudos na Grécia, o digital serviu para encurtar as fronteiras e aliviar a saudades da família, porém nunca foi suficiente na parte relacional. “Na época, eu não conhecia ninguémpor lá e não falava o idioma. Como já tinha a possibilidade de chamada de vídeo, isso facilitou um pouco, porém eu venho de uma família em que é comum pedir companhia para ir ‘só até ali’ na farmácia escolher um esmalte novo ou sair pra tomar um café durante a semana, então foi um grande desafio viver a solidão”, relembra Marina Sem encontrar uma resposta exata para esse dilema social, as palavras do historiador e professor, Leandro Karnal, concedem uma direção de que forma a vida e a solidão se cruzam no decorrer da jornada e exigem a contínua reflexão sobre o tema: “Eu nunca estarei pleno estando sozinho, e nunca estarei pleno estando com outras pessoas, as minhas incompletudes são levadas ao grupo e são levadas igualmente para dentro de mim quando estou sozinho, pois eu me carrego com os meus medos, angústias e com meus dramas, inclusive para a solidão”. PREVALÊNCIA GERAL DE SOLIDÃO NOS PERÍODOS PRÉ E PANDÊMICO Frequência da solidão em amostra de 4.431 brasileiros com 50 anos ou mais Solidão geral Algumas vezes solitário Sempre solitário 32,80% 27,70% 23,9 % 20,10% 3,90% 5,10% Pré-pandemia Durante a pandemia Fonte: Artigo Loneliness and social disconnectedress in the tima of pandemic period among Brazilians evidence from the ELSI COVID-19 initiativ

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