Medicina Baseada em Evidências

Por Dr. Wanderley Marques Bernardo
 
Saúde é um bem cujo portador é o paciente. 
 
A definição de gestão em saúde deveria simplesmente ser: “Cuidar desse bem para o paciente”. 
 
Logicamente, teoricamente e suficientemente, deveria ser obtida por meio de uma apropriada relação médico-paciente. 
 
Entretanto, cuidar da saúde, na modernidade, tornou-se em um processo complexo de atenção a milhões de variáveis, “um bem em si mesmo”, no qual o médico é apenas mais uma variável, e o paciente, também excluído, aceita a autodenominação de cliente. 
 
Como em todo paradigma, dois fenômenos aconteceram: 1º) A fase de identidade: a gestão em saúde se estabelece como de natureza eminentemente econômica, de governo do custo de procedimentos e materiais, e centrada na regulação de direitos e deveres dos “clientes”; 2º) A fase da anomalia: a falência da identidade, com os gastos (direitos) superando o arrecadado (deveres), leva à hipertrofia do erro, e a efeitos adversos como a insatisfação de expectativas e necessidades justas, o desejo induzido por futilidades, e o constante consequente litígio. 
 
A falha no paradigma é mais rapidamente percebida por aqueles que, apesar das dificuldades, sempre buscaram a manutenção da relação médico paciente como conceito central de gestão em saúde. Reagindo, consideram então, entre suas ações, algumas garantias essenciais: atenção ao básico e fundamental, qualidade no atendimento, segurança do paciente, necessidades da equipe de saúde, combate ao desperdício, atualização dos serviços e investimento em pesquisa e educação. Entendem que o cuidado apropriado do bem saúde só é possível se houver competência do sistema, associada à devida atenção às expectativas e preferências do paciente, utilizando conteúdo e linguagem que sustentem cientificamente a relação entre ambos. 
 
O sustento científico (evidência) define parâmetros que podem estabelecer direitos e deveres específicos a quem cuida e a quem é cuidado, nessa inter-relação de lidar com o bem saúde: 
 
Ao cuidador ou gestor: o dever de garantir que todos os pacientes, no tempo certo e ¿todo o tempo, recebam o necessário, segundo as indicações; e o direito de estabelecer e publicar suas estratégias e limites, inclusive de recursos, para disseminar as condutas indicadas. 
Aos profissionais de saúde: o direito de contar com todas as condições necessárias para aplicar a evidência em seus pacientes; e o dever de conhecer e utilizar com discernimento as evidências, considerando o balanço entre benefício e dano, bem como os recursos necessários. 
Ao cuidado (paciente): o direito de que todos recebam o que está indicado, e que aqueles sem indicação sejam protegidos de condutas impróprias, ou desnecessárias, que produzam dano ou introduzam expectativas infundadas; e o dever de compreender as limitações do sistema, tendo expectativa no benefício, mas compreendendo o dano. 
Sabe-se ainda, que o equilíbrio entre o cuidador do bem e o proprietário do bem é constantemente atingido e ameaçado pelas pressões de intermediários e vendedores, que insensíveis à preservação do bem, utilizam-se deste último como meio, e não como fim. Esse movimento predatório, natural a ambientes de fusão entre o capitalismo voraz e a democracia permissiva, é incompatível com a gestão em saúde baseada em evidência, pois determina uma profunda inequidade no país, na qual os maiores engolem os menores, em que ter e fazer é sempre melhor do que não ter e não fazer, e onde a evidência (quando considerada) é utilizada para atender a seus interesses. 
 
Gestão baseada em evidência? Que faça parte de sua agenda investir e se envolver em processos sistemáticos de educação verdadeiramente baseados em evidências que identificam e tornam públicas as ações fundamentais a serem adotadas, a fim de se estabelecer, de fato, uma atenção baseada em efetividade, segurança e equidade.