Medicina Baseada em Evidências

Por Dr. Wanderley Marques Bernardo 
 
Quem não deseja(ria) saber antecipadamente: 

Que possui uma doença em estágio inicial, a qual pode (ria) ser tratada precocemente com elevada probabilidade de cura? 
Que possui elevada probabilidade de adoecer, pois é portador de um fator de risco, e que através de medidas preventivas pode (ria) evitar a doença? 
Ser portador de características pessoais que favorecem a resposta ao tratamento, e assim pode (ria) garantir o benefício e evitar o dano? 
Esses são desejos universais de todos nós e que, certamente, se hipoteticamente atendidos, determinariam redução significativa na incidência das doenças, nos danos decorrentes dos tratamentos e, principalmente, no aumento absoluto nos benefícios. 

Tacitamente, logicamente e instintivamente não podemos conceber a ideia de que fazer exames, independente da presença de sintomas, não pode ser pior do que não fazer. 

E partindo desta premissa, será fácil sustentarmos a resposta às dúvidas a seguir: 

1. O uso indiscriminado da solicitação de exames não reduz a importância ou até mesmo educa e dispensa a anamnese e o exame físico dos pacientes? 

2. Existe evidência de que realizando exames em pacientes assintomáticos eles serão beneficiados com melhor evolução clínica, ou que a detecção precoce de todas as doenças (alguns chamam de rastreamento) garante melhores resultados após o tratamento? 

3. A quais exames um paciente deve ser submetido? A todos? A partir de que idade? 

4. Qual a periodicidade de realização dos exames? Anual? Monitoramento 24h? 

5. Como lidar com o fato do exame ser positivo na ausência de doença (falso positivo)? 

6. Como lidar com o fato do exame ser negativo na presença de doença (falso negativo)?

7. O risco do dano de um procedimento induzido pelo resultado falso positivo compensa a hipótese do benefício pelo diagnóstico precoce? 

8. O risco do dano decorrente do procedimento diagnóstico compensa a hipótese do benefício pelo diagnóstico precoce? 

9. Qual a qualidade de vida de um paciente com diagnóstico positivo para uma doença que nunca se manifestará, e para qual não há prevenção ou tratamento? 

10. Quais as consequências de um exame falso negativo na ausência de crítica da evidência diagnóstica disponível que estudou o teste utilizado? 

11. Qual o nível de ignorância e desconhecimento de todos (profissionais, pacientes e sistema) tem sido produzido ao centrarmos as decisões no “positivo” ou “negativo” sem considerarmos as suas implicações e limites? 

12. Qual o impacto do gasto desnecessário com exames normais (certamente a maioria) na vida de pacientes que não terão adequado acesso às suas necessidades legítimas de cuidado, pois os recursos se esvaíram na “quitanda”? 

13. Quem são os verdadeiros favorecidos pela ciranda da indústria inconsequente do diagnóstico? Como essas instituições têm o atrevimento de afirmar serem envolvidas com a prática baseada em evidência? Como podem ser parâmetro de boas práticas? 

14. Quais tem sido as consequências didáticas às gerações futuras do estímulo incessante à busca cega da doença e ao consumo medular da falsa prevenção? 

15. Em nome da autonomia do solicitante, até que ponto é responsável o executor por um procedimento diagnóstico sem indicação? E por seus riscos? 

Obviamente essas dúvidas dizem respeito à realização massiva de exames sem indicação, acriteriosa, sem discernimento, simplesmente porquê o acesso é garantido por uma regulação “modelo quitanda”, onde o cliente compra o que quer, sem precisar explicar o motivo, e sempre tem razão. 

Mas esse modelo não reconhece, não protege e não educa o paciente, principalmente porquê “ele ou ela” é que pagará a conta com seu próprio risco e vida.

Pela evidência disponível na Constituição, todo paciente tem direito ao acesso à saúde, mas também o direito de proteção e garantia à sua vida e segurança, o que torna todo ato diagnóstico fútil, mesmo que minimamente inócuo, uma exposição que contraria essa evidência, e que pode produzir dano à população em mil formas de morrer.