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Pensar Unimed
| Agosto 2012
L
embro que em meus primeiros estudos
sobre cooperativismo - e lá se vão cerca
de 50 anos - os instrutores dos cursos fre-
quentados e os textos lidos destacavam,
sempre commuita ênfase, que "a primeira
cooperativa do mundo, constituída na ci-
dade de Rochdale, no interior da Inglater-
ra, fora fundada em 1844 por 28 operários
da indústria de tecelagem, sendo vinte e
sete homens e uma mulher". A presença
dessa mulher continua a ser referida em
textos recentes, como poderá ser compro-
vado numa pesquisa na internet, investi-
gando em livros, monografias e, inclusive,
em textos oferecidos em cursos de espe-
cialização promovidos por instituições de
ensino superior.
Que a cooperativa dos Pioneiros de Ro-
chdale não foi a primeira cooperativa, todos
já sabem. Que é uma das mais importantes
experiências cooperativas do mundo mo-
derno e que, por ter dado certo, passou a
balizar doutrinariamente o cooperativismo
em âmbito planetário, via Aliança Coopera-
tiva Internacional - ACI, é acatado por todos.
Mas... e a presença da mulher entre os
27 homens? Muito citada, são poucas as
fontes que lhe dão nome:
Ann Tweedale!
Apenas uma das primeiras lendas ur-
banas...
Interessa-nos, aqui, examinar as ra-
zões para o destaque da participação de
uma mulher nessa história. Apenas para
relembrar as aulas de História, destaque-
mos que, em 1844, a Inglaterra estava em
plena Revolução Industrial, vivendo um
processo de urbanização em bases miserá-
veis (algo como nossas favelas mas em país
de inverno rigoroso!) e em um momento
de agravamento das relações sociais, com
conflitos entre operários (mal pagos, vi-
vendo mal, etc) e as classes dominantes
(nobreza, clero, burgueses, comerciantes
e industriais). Nessa época, mulheres não
detinham propriedades e, mesmo assala-
Havia, ou não, uma
mulher entre os 28?
Por Edgar Schulze*
ANO
INTENACIONAL DAS
COOPERATIVAS
riadas, seu dinheiro pertencia ao marido,
se casadas, ou ao pai, se solteiras.
Nesse cenário, a cooperativa de Ro-
chdale é constituída por operários bastante
esclarecidos para a época. Muitos deles já
haviam participado de iniciativas de caráter
cooperativo, "redentor das classes operá-
rias", sem que nelas tivessem encontrado a
solução para seu principal mal, ou seja, a di-
ficuldade de suprir suas famílias com bens
de consumo de qualidade, a preço justo, de
uma forma durável. Entre as muitas situa-
ções vivenciadas anteriormente pelos Pio-
neiros, confirmada nos primeiros tempos
de funcionamento de seu armazém, esta-
va a convicção de que o homem (o macho
da espécie
homo sapiens
), mesmo em sua
condição - social e legalmente afirmada -
de chefe da família e seu provedor, não era
um "cliente" confiável... Logo, os negócios
passaram a ser feitos preferencialmente
com as esposas dos sócios e, também, foi
aplaudida e estimulada a associação de
mulheres. Mas não há, na literatura pes-
quisada, informação de que alguma delas
tenha sido eleita ou indicada para cargos de
gestão do negócio...
Essa relação simpática dos Pioneiros
para com as mulheres, absolutamente
incompreensível no contexto social da
época (de machismo fundamentalista),
é destacada por George Jacob Holyoake,
jornalista, contemporâneo dos Pioneiros e
seu principal historiador, em seu livro
Os
28 Tecelões de Rochdale.
Por ocasião do lançamento da primei-
ra edição desse livro pela Unimed/RS, no
ano de 2000, foi confirmado que, nele,
Holyoake identificava apenas 26 dos 28
Pioneiros (vide pág. 62 do livro). E entre
os nomes citados,
nenhuma mulher!
Na
esperança de que um dos dois nomes fal-
tantes fosse o da ansiosamente buscada
mulher, foi promovida uma pesquisa, acei-
tando-se como confiável, por ser patro-
cinada pela Co-operative Union Ltd, uma
lista datada de 1994 que, traduzida, foi
anexada já na primeira edição do livro ci-
tado. Nela, 28 homens; nenhuma mulher!
Mas há divergências. Outros historia-
dores apresentam listas com algumas dife-
renças frente a essa. Na maioria dos casos
pesquisados, a diferença está justamente
nos dois nomes que Holyoake desconhecia.
É alternando com eles que Ann Tweedale
aparece em algumas listagens.
Mas é Holyoake, que, ainda em 1893,
apresentou uma lista completa dos 28 no-
mes. Nela estão todos os nomes que ele
referira no livro Os 28 e estão acrescidos
os de um dos homens da lista complemen-
tar e - ahá! - Ann Tweedale! Poucas pági-
nas antes, ele a identifica como a female
co-operator que, durante os preparativos
à constituição, assegurara o acesso dos
Pioneiros a uma sala de reuniões em es-
tabelecimento de propriedade de um Mr.
Tweedale. Também diz que ela, mais tar-
de, uma vez casada, fez com que seu mari-
do se associasse à cooperativa.
Mas Holyoake, no dizer de Gillian Lo-
nergan, "era antes jornalista que historia-
dor" e sua "história", mesmo que infinita-
mente repetida, nem sempre era precisa.
Segundo ela, é sabido que Ann Tweedale
esteve envolvida de algum modo, mas não
há prova de que tenha sido sócia. Segundo
ela,
a primeira mulher a se associar foi Eli-
za Brierley, em 1846.
Quem está enganado? Holyoake, em
sua lista de 1893, ou historiadores poste-
riores com suas listas, aqui referidas, de
1964 e de 1994?
Lenda urbana ou verdade? Em respei-
to e em homenagem às mulheres, cabe
mais alguma pesquisa...
*Assessor deCooperativismodo SistemaUnimed-R S
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