44
REVISTA UNIMED BR • N
o
17 • Ano 5 • Jun/Jul | 2015
conjunto de recursos, conheci-
mentos e habilidades.
Com a virada deste século, so-
mente a sexta parte da massa que
produz e movimenta bens de con-
sumo nos países desenvolvidos
será composta pelos trabalhadores
tradicionais, ocupantes dos postos
de trabalho formal. O diferencial
controlador, fator de produção, não
mais será representado por bens –
sejam móveis ou imóveis, dinheiro
etc. –, e sim pelo capital intelectual
em seus sentidos e abrangências
plenos, que envolverá, inclusive, a
capacidade de praticar a criativida-
de – ferramenta genética e esque-
cida pela acomodação de todos nas
dezenas de anos de convivência e
conluio oportuno, sobrevivente,
com o capitalismo predador.
Essas mudanças decerto valoriza-
rão e até requisitarão, principal-
mente, produtividade e inovação,
que nada mais são que aplicações
diretas do conhecimento ao tra-
balho. Teorias econômicas dos sé-
culos XIX e XX, como a marxista, a
clássica, a keynesiana e a pós-clás-
sica, se esvairão no tempo e serão
meros referenciais históricos dos
tratados de economia.
Vigorarão, por pertinentes, novos
valores e percepções estéticas,
dicotomizando a sociedade pós-
capitalista em: intelectuais, que
lidarão com palavras, conceitos,
ideias, e executores, que cuidarão
de trabalho e pessoas, ao arrepio
de qualquer teoria neoeconômica.
Haverá uma busca renovada e sa-
lutar pelo íntimo, pela pessoa-in-
divíduo, num primeiro momento,
mas que redundará em união em
torno de ideias e ideais, na procu-
ra da satisfação do criar e servir
mais e melhor a todos no tempo
seguinte. É nesse viés último que o
cooperativismo de trabalho certa-
mente se encontrará, se reconhe-
cerá e se identificará como um dos
“ismos” sobreviventes. Precisará
de educação, doutrinamento e
pregação permanentes para evo-
luir em velocidade real e se postar
como destaque junto aos precur-
sores desse processo.
O cooperativismo de trabalho, pela
sua essência, prática e filosofia, já
está à frente de seu tempo como
alternativa organizacional de tra-
balho, ou seja, em condições pós-
capitalistas, embora pareça, por
ações várias, ter se perdido nos
desvãos da História. Por possuir
independência da tutela mercan-
tilista, autogerenciar as ações de
trabalho e ter atrativos e eficiência
na expansão capilarizada, reúne
condições estruturais e adequa-
das às exigências mercadológicas
do amanhã. Precisa, contudo, para
fazer face à globalização, ser uma
organização ágil, assumir compor-
tamentos gerenciais modernos,
ter a necessária postura proativa,
ter em mente a consciência crítica
e municiada de informações e di-
reitos dos clientes, usar suas ex-
periências e conhecimentos como
um diferencial no mercado, manter
uma coerência empresarial priman-
do pela busca de valores inovado-
res agregados que o distancie dos
concorrentes, entre outras práticas.
Educar e profissionalizar sua massa
crítica são premissas vitais.
E o seu Nico? Bom, Nicácio da Silva,
brasileiro, 82 anos (à época), negro,
analfabeto e desdentado é uma
sumidade de pensamento reflexi-
vo. Nascido, criado e conduzido no
seu microuniverso pelos patrões
que se sucederam em uma mesma
família, num latifúndio, me parece,
em Pitangueiras, São Paulo, aonde
chegaram seus ancestrais em fins
de século passado. É um “faz tudo”
à moda antiga. Hoje, alquebrado e
caquético, como todo capiau, sen-
tado na soleira da porta da sua casa
de colono, prepara o seu “paieiro”,
acocorado como convém a todo
personagem lobatiano, e faz au-
toindagações em um final de tarde
chuvoso. Rememora tempos idos,
até onde sua lembrança lhe per-
mite alcançar. Pois não nasceu ali
onde tudo era mato e a casa-sede
era pequena? Pois não cresceu ali
onde o avô do avô do patrão atual
lhe dera um pedaço de terra como
meeiro, em retribuição à sua dedi-
cação e à memória de seu pai, que
morreu de malária e tísica? Pois ali
não nascera seu único filho com
sua companheira Judite (75 anos),
o Nicário Filho, hoje controlador do
aparelho (computador) da imensa
sede, onde sabe os dias de vacinar,
inseminar e apartar as vacas, e os
dias de plantar, pulverizar e colher
semolhar o tempo e os climas? Pois
ali não nasceram os netos, Ingrid e
Silvester, hoje adolescentes, que
falam a mesma linguagem moder-
na, tipo: layout, fashion, entre ou-
tros? Pois ali não se assustara com
a caixa que falava (rádio à válvula) e
a outra caixa, hoje, que traz as pes-
soas para dentro de casa? E o filho
do filho do filho do primeiro senhor,
hoje, não chega à sede de avião?
Entra naquela camioneta que tem
uma imensa antena atrás e fala
com todo mundo com um aparelho
no ouvido e carrega na pequena
bolsa preta um aparelho compacto
parecido com o que Nicário Filho
usa? Pois hoje as mulheres não fi-
cam peladas para qualquer um sem
ninguém pedir?
Que Peter Drucker, que Aldous Hu-
xley, em
Admirável Mundo Novo,
que Kubrick, que nada! Seu Nico,
acendendo o “paieiro”, solta fumaça
e a frase ao léu – sucinta, descom-
prometida, direta, objetiva e de au-
tor desconhecido, mas robusta em
suas convicções pessoais, porque
é fruto de observações de décadas
de vida, demoradas, assuntadas,
curtidas e, sobretudo, inteligentes:
“Ô mundo véio sem purteira!”
É para onde já caminhamos! Avisa-
mos a todos?
Eudes de Freitas Aquino,
presidente da Unimed do Brasil