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REVISTA UNIMED BR • N

o

17 • Ano 5 • Jun/Jul | 2015

conjunto de recursos, conheci-

mentos e habilidades.

Com a virada deste século, so-

mente a sexta parte da massa que

produz e movimenta bens de con-

sumo nos países desenvolvidos

será composta pelos trabalhadores

tradicionais, ocupantes dos postos

de trabalho formal. O diferencial

controlador, fator de produção, não

mais será representado por bens –

sejam móveis ou imóveis, dinheiro

etc. –, e sim pelo capital intelectual

em seus sentidos e abrangências

plenos, que envolverá, inclusive, a

capacidade de praticar a criativida-

de – ferramenta genética e esque-

cida pela acomodação de todos nas

dezenas de anos de convivência e

conluio oportuno, sobrevivente,

com o capitalismo predador.

Essas mudanças decerto valoriza-

rão e até requisitarão, principal-

mente, produtividade e inovação,

que nada mais são que aplicações

diretas do conhecimento ao tra-

balho. Teorias econômicas dos sé-

culos XIX e XX, como a marxista, a

clássica, a keynesiana e a pós-clás-

sica, se esvairão no tempo e serão

meros referenciais históricos dos

tratados de economia.

Vigorarão, por pertinentes, novos

valores e percepções estéticas,

dicotomizando a sociedade pós-

capitalista em: intelectuais, que

lidarão com palavras, conceitos,

ideias, e executores, que cuidarão

de trabalho e pessoas, ao arrepio

de qualquer teoria neoeconômica.

Haverá uma busca renovada e sa-

lutar pelo íntimo, pela pessoa-in-

divíduo, num primeiro momento,

mas que redundará em união em

torno de ideias e ideais, na procu-

ra da satisfação do criar e servir

mais e melhor a todos no tempo

seguinte. É nesse viés último que o

cooperativismo de trabalho certa-

mente se encontrará, se reconhe-

cerá e se identificará como um dos

“ismos” sobreviventes. Precisará

de educação, doutrinamento e

pregação permanentes para evo-

luir em velocidade real e se postar

como destaque junto aos precur-

sores desse processo.

O cooperativismo de trabalho, pela

sua essência, prática e filosofia, já

está à frente de seu tempo como

alternativa organizacional de tra-

balho, ou seja, em condições pós-

capitalistas, embora pareça, por

ações várias, ter se perdido nos

desvãos da História. Por possuir

independência da tutela mercan-

tilista, autogerenciar as ações de

trabalho e ter atrativos e eficiência

na expansão capilarizada, reúne

condições estruturais e adequa-

das às exigências mercadológicas

do amanhã. Precisa, contudo, para

fazer face à globalização, ser uma

organização ágil, assumir compor-

tamentos gerenciais modernos,

ter a necessária postura proativa,

ter em mente a consciência crítica

e municiada de informações e di-

reitos dos clientes, usar suas ex-

periências e conhecimentos como

um diferencial no mercado, manter

uma coerência empresarial priman-

do pela busca de valores inovado-

res agregados que o distancie dos

concorrentes, entre outras práticas.

Educar e profissionalizar sua massa

crítica são premissas vitais.

E o seu Nico? Bom, Nicácio da Silva,

brasileiro, 82 anos (à época), negro,

analfabeto e desdentado é uma

sumidade de pensamento reflexi-

vo. Nascido, criado e conduzido no

seu microuniverso pelos patrões

que se sucederam em uma mesma

família, num latifúndio, me parece,

em Pitangueiras, São Paulo, aonde

chegaram seus ancestrais em fins

de século passado. É um “faz tudo”

à moda antiga. Hoje, alquebrado e

caquético, como todo capiau, sen-

tado na soleira da porta da sua casa

de colono, prepara o seu “paieiro”,

acocorado como convém a todo

personagem lobatiano, e faz au-

toindagações em um final de tarde

chuvoso. Rememora tempos idos,

até onde sua lembrança lhe per-

mite alcançar. Pois não nasceu ali

onde tudo era mato e a casa-sede

era pequena? Pois não cresceu ali

onde o avô do avô do patrão atual

lhe dera um pedaço de terra como

meeiro, em retribuição à sua dedi-

cação e à memória de seu pai, que

morreu de malária e tísica? Pois ali

não nascera seu único filho com

sua companheira Judite (75 anos),

o Nicário Filho, hoje controlador do

aparelho (computador) da imensa

sede, onde sabe os dias de vacinar,

inseminar e apartar as vacas, e os

dias de plantar, pulverizar e colher

semolhar o tempo e os climas? Pois

ali não nasceram os netos, Ingrid e

Silvester, hoje adolescentes, que

falam a mesma linguagem moder-

na, tipo: layout, fashion, entre ou-

tros? Pois ali não se assustara com

a caixa que falava (rádio à válvula) e

a outra caixa, hoje, que traz as pes-

soas para dentro de casa? E o filho

do filho do filho do primeiro senhor,

hoje, não chega à sede de avião?

Entra naquela camioneta que tem

uma imensa antena atrás e fala

com todo mundo com um aparelho

no ouvido e carrega na pequena

bolsa preta um aparelho compacto

parecido com o que Nicário Filho

usa? Pois hoje as mulheres não fi-

cam peladas para qualquer um sem

ninguém pedir?

Que Peter Drucker, que Aldous Hu-

xley, em

Admirável Mundo Novo,

que Kubrick, que nada! Seu Nico,

acendendo o “paieiro”, solta fumaça

e a frase ao léu – sucinta, descom-

prometida, direta, objetiva e de au-

tor desconhecido, mas robusta em

suas convicções pessoais, porque

é fruto de observações de décadas

de vida, demoradas, assuntadas,

curtidas e, sobretudo, inteligentes:

“Ô mundo véio sem purteira!”

É para onde já caminhamos! Avisa-

mos a todos?

Eudes de Freitas Aquino,

presidente da Unimed do Brasil